Vera acabou de descobrir a existência de vampiros e agora tem que escapar. Numa fuga entre Dublin e Londres, Vera torna-se a presa de uma espécie sanguinária e feroz, porque no seu sangue esconde-se a arma para destruir a raça vampírica. A persegui-la está Blake, um dos vampiros mais antigos e fortes do mundo, mas um estranho destino lhes está reservado. Aquele que devia ser um confronto entre o bem e o mal resultará numa estranha e explosiva atração que mudará os rumos das suas vidas, revelando os segredos que se escondem no passado de ambos.
PRÓLOGO
16 de
novembro de 2018
«Vera
Campbell».
Acenei com a
cabeça em concordância.
«Dezassete
anos. Cabelos e olhos castanhos, rosto pálido, não particularmente alta, demasiado
delgada... Em resumo, insignificante» comentou a madre superiora com um tom
carregado de desprezo, fazendo deslizar o olhar sobre o meu corpo em pé, diante
dela, tenso como uma corda de violino.
A enésima
punhalada nos confrontos do meu físico pouco vistoso. Já o sabia, ouvi-lo dizer
tornava a coisa ainda mais óbvia e brutal.
«Das notas do
teu último boletim escolar, parece-me que por baixo do aspeto físico também
exista muito pouco» continuou a freira com voz severa e maligna, folheando o
meu fascículo pessoal que cobria a sua poderosa secretária.
«Verdadeiramente,
nunca tive uma insuficiência no boletim escolar e esforço-me...» protestei.
Tudo bem que eu era desagradável à vista, mas ignorante não!
Para além
disso, não era culpa minha se tinha faltado muitas vezes às aulas por causa da
minha saúde.
«Por acaso,
disse-te que podias falar?» gritou a mulher cheia de indignação.
Senti-me
desfalecer. Há quase vinte minutos que permanecia ali, em pé, em tensão,
perante a reitora do colégio católico, onde passarei, de certeza, ao menos os
próximos dois meses, longe da minha tia Cecília, o meu único verdadeiro ponto
de referência. Sem contar tudo aquilo que passei nos últimos dias, nem com o
verdadeiro motivo daquela estadia forçada!
«Órfã de mãe.
Pai desconhecido. Confiada à guarda de Cecília Campbell, uma freira que
abandonou o hábito para tomar conta da sobrinha. Mmh... Aqui diz também que
estás doente... Uma forma muito rara de anemia» Leu a madre superiora numa
outra folha com um tom de puro desprezo.
Pareceu-me
receber uma bofetada em plena face. Não estava habituada a provocar repugnância
quando se falava da minha saúde. Geralmente, era rodeada de carinho e
compreensão.
«Tem aqui até
mesmo uma recomendação em relação à tua dieta. Rica de proteínas e muita carne
de porco ou bovina, mal passada. Nada de aves» comentou a mulher, como se
estivesse prestes a vomitar.
Não consegui
concordar. Sentia-me o alvo principal daqueles olhos cinzentos, que pareciam
querer atravessar-me como punhais.
«Como se não
bastasse aqui está escrito também que deves beber, pelo menos uma vez por mês,
50 cl de liquido retirado do sistema arteriovenoso de porcos ou bovinos... Onde
já se viu! Beber sangue animal? Isto é escandaloso!» deixou escapar a reitora,
com o rosto todo vermelho de repulsa, continuando a ler o meu processo, no
qual, aparentemente, alguém se tinha dado ao incómodo de escrever sobre mim e
sobre a minha vida.
Apetecia-me
responder-lhe que aquele era o único modo para manter-me viva e que a minha tia
tinha feito mil sacrifícios para salvar-me, depois que lhe fui confiada após a
morte da minha mãe, que faleceu pouco depois do parto.
Para além
disso, a minha tia dizia sempre que beber sangue não era assim tão chocante,
pois em certos países do oriente era habitual beber o sangue quente de cobra
para combater os reumatismos logo, não era uma coisa assim tão estranha.
«O teu médico
não sabe que hoje em dia existem as transfusões?».
«Sim, mas
infelizmente descobriu-se que para haver benefícios mais imediatos e
prolongados no tempo, o meu organismo reage melhor quando também está envolvido
o aparelho digestivo» sussurrei, tropeçando nas palavras. Nem mesmo eu tinha
percebido verdadeiramente o motivo pelo qual as transfusões não me fortaleciam
tanto quanto beber a minha “hemodose”, como lhe chamávamos a minha tia e eu.
Às vezes, a
anemia conseguia enfraquecer-me a ponto de perder os sentidos. Bastava o meu
“remédio” e rapidamente recuperava a minha audição e vista perfeitas e a
sensação de fadiga, que sentia anteriormente, desaparecia por completo.
A madre superiora emitiu um longo suspiro,
deixando-se afundar na poltrona dura e negra, sobre a qual estava
confortavelmente sentada, enquanto eu nem sequer tinha tido a autorização para
me sentar.
«Se estás aqui,
é só porque o cardeal Siringer me pediu pessoalmente, mas quero deixar bem
claro que isto não é um refúgio para desadaptados, mas um ilustre colégio, que
segue e respeita a vontade do Senhor».
O padre
Dominick já me tinha falado daquele prestigioso colégio, antigo castelo de
Melmore, que se erguia sobre as ruínas sagradas da Melmore Abbey, uma das
abadias mais antigas e que resistiu às diversas guerras na Irlanda. Sabia que
ali estaria segura, mas naquele momento sentia-me numa prisão escura e fria.
Até o clima me era adverso. O inverno estava a chegar e sabia que por muito
tempo não voltaria a ver o sol. Para além disso, aquela zona era muito propícia
a precipitações e muros de neblina.
Se quisesse
sobreviver, tinha que encontrar alguma coisa bela, caso contrário
enlouqueceria.
«Bem. Podes ir.
Encontrarás a Irmã Agatha que te acompanhará ao teu quarto, onde estarão dois
uniformes que deves vestir sempre, uma roupa de ginástica e o horário das
aulas, que deves começar a frequentar a partir de amanhã de manhã.
Tens uma hora
para guardar as tuas coisas e dirigir-te à igreja para a missa. Sê pontual»
dispensou-me a madre superiora com um aceno de mão.
Fiz tanto
esforço a mover-me e a voltar-me que tive a impressão que tinha criado raízes.
Não disse nada,
voltei-me, abri a porta pesada e saí.
Mal cruzei a
saída do escritório, aproximou-se nervosamente de mim uma freira de meia-idade,
que tinha ficado todo aquele tempo à minha espera no exterior, sentada numa
cadeira cor de nogueira escura. «Sou a Irmã Agatha. Tu deves ser a Vera
Campbell, a recém-chegada. Vem. Acompanho-te ao teu novo quarto, o qual
dividirás com a Maria Kelson, uma tua coetânea. É um pouco tímida, mas muito
devota ao Senhor… Não me surpreenderia se no futuro decidisse fazer os votos»
explicou a religiosa absorvida pelos seus pensamentos. À minha volta, abriam-se
corredores e escadas de pedra frios e húmidos. O silêncio que reinava naquele
lugar era arrepiante.
Escutava apenas
o rumor dos nossos passos. Parecia que tinha sido improvisadamente projetada
para outra época. Sinceramente, não acreditava que lugares como aquele pudessem
ainda ser habitados e, muito menos, usados como colégio para jovens.
Continuava a
olhar em meu redor chocada. À direita encontravam-se janelas estreitas e altas,
de aspeto gótico, que tornavam a atmosfera ainda mais sinistra. Fiquei tão
impressionada com a austeridade daquele lugar, que mal escutava as palavras da
freira, que continuava a falar mecanicamente: «Depois das novas leis acerca da
integração, também o nosso colégio teve que se adaptar, assim esta instituição
é aberta tanto ao sexo masculino, como ao sexo feminino. No rés-do-chão estão
as salas de aula, o ginásio e o refeitório, enquanto no segundo piso fica o
dormitório. A ala oeste é reservada ao sexo masculino e a ala este às miúdas.
No terceiro
piso, como pudeste notar, situam-se os diversos escritórios e os quartos
privados dos professores, para além de uma grande biblioteca, à qual poderás
aceder apenas com a autorização da Irmã Elizabeth. A capela ocupa a inteira ala
a norte, mesmo em frente às hortas e aos estábulos.
Para chegar a
estes é necessário sair e dar a volta ao colégio.»
A Irmã Agatha
continuava a falar com o seu tom plano mas vigoroso. Também ela não parecia
particularmente gentil ou calorosa. Seria possível que ninguém mostrasse um
pouco de compaixão perante as novas reclusas?
«Recorda-te
também que nos corredores não se grita, não se corre e deve-se respeitar os
horários. O pequeno-almoço é às 7h00, o almoço às 12h00 e o jantar às 19h00,
depois da missa das 18h00. Lembra-te de usar sempre o uniforme da escola quando
saíres do quarto e de nunca deixar os teus pertences pessoais espalhados pelo
quarto ou te serão apreendidos e jogados fora».
Aquela não era
uma prisão, mas pior!
Descemos as
escadas, percorremos um longo corredor para depois virar à esquerda e
metermo-nos num outro corredor sombrio com paredes húmidas e escuras. Sentia a
humidade penetrar-me nos ossos e um cheiro a mofo enchia-me os pulmões,
fazendo-me sentir náuseas.
«Este é o
dormitório. O teu quarto é a terceira porta à direita. O banho fica ao fundo.
Prepara-te que daqui a cinquenta minutos vamos rezar» concluiu a irmã, antes de
ir embora.
«Obrigada»
sussurrei, mas da minha boca saiu apenas um pequeno sopro inconsistente.
Percorri
sozinha os últimos metros e abri aquela terrível porta de madeira escura com a
maçaneta preta, que escondia o meu quarto. Bastou-me uma rápida olhadela: duas
camas, duas mesinhas de cabeceira, dois armários para conter o mínimo
indispensável, duas pequenas mesas com duas cadeiras e um enorme crucifixo ao
centro.
A minha mala e
algumas roupas estavam sobre a cama da esquerda, enquanto na cadeira ao lado da
cama da direita, estava sentada uma rapariga atenta a ler o livro “Nas mãos de
Deus”.
«Olá, sou a Vera
Campbell, a tua nova companheira de quarto. Tu deves ser a Maria?» tentei
dialogar.
A rapariga
levantou os olhos do livro e acenou com a cabeça sorridente.
Tinha o rosto
redondo e sardento. Os cabelos castanho claros estavam apanhados em uma cauda
de cavalo e os olhos verdes pareciam gentis.
Usava o
uniforme que, brevemente, também eu teria que vestir: um fato azul de corte
muito sóbrio e com o desenho da abadia bordado no bolso do peito e uma camisa
branca.
O meu primeiro
pensamento foi que o azul não me ficava bem, mas estava demasiado cansada para
preocupar-me com isso.
Lentamente,
abri a mala. Continha apenas o mínimo indispensável que consegui trazer de
casa, antes da fuga inesperada que tive que fazer.
Por cima do
monte de vestidos, coloquei uma foto minha e da tia Cecília abraçadas em frente
à cancela da quinta.
Ver aquela
imagem fez-me coçar os olhos.
Quanto me fazia
falta!
Gostava que
tivesse estado ali comigo!
Seguramente
nunca teria permitido que alguém se dirigisse a mim da forma como tinha apenas
acabado de o fazer a madre superiora.
Posei a foto
sobre a mesa-de-cabeceira. Queria-a por perto, na medida do possível.
«Desculpa, mas
é melhor que guardes aquela foto na gaveta da mesa-de-cabeceira, caso
contrário, amanhã será deitada fora» disse-me a Maria, aproximando-se de mim.
«Mas eu...».
«Eu sei, eu
sei. Também me aconteceu o mesmo... e na manhã seguinte a foto da minha avó não
estava mais aqui. Acredita em mim» assegurou-me com voz cândida.
Com um suspiro
desconsolado, guardei a foto. Era demasiado preciosa para permitir que alguém a
jogasse no lixo.
Ordenei os
vestidos e os objetos pessoais.
Estava prestes
a guardar a mala, quando me dei conta que faltava alguma coisa.
O estojo de
maquilhagem.
«O meu batom, a
minha máscara, as minhas sombras... desapareceram!» gritei indignada.
Olhei a Maria.
Ela limitou-se
a encolher os ombros e explicou-me: “Perdidos! As freiras controlaram-te a
bolsa, como fazem sempre às recém-chegadas e deitaram-te fora aquilo que aqui
não te serve».
Queria gritar!
Não tanto pelos cosméticos deitados fora, mas porque detestava as pessoas que
vasculhavam nas minhas coisas privadas!
Praticamente no
limite das minhas forças, mudei de roupa perante o olhar embaraçado da Maria,
que voltou a ler sentada na sua cadeira.
Tinha razão: o
azul não me ficava particularmente bem!
Olhei para o
relógio. Tinha ainda vinte minutos antes da missa. Dei mais uma olhadela ao
quarto.
Tinha as
paredes acinzentadas e os móveis cor de nogueira escura.
Resumindo,
deprimente. Como tudo o resto.
Atirei a mala
ao chão e joguei-me sobre a cama.
Queria apenas
esquecer. Fechei os olhos.
A imagem de
dois olhos cor de gelo que me atravessavam surgiu imediatamente na minha mente.
Uma série de
arrepios percorreu-me toda a coluna.
Vacilei de
medo.
Ele outra vez!
Era um tormento. Era culpa sua se me encontrava ali.
Estava tão
cansada! Queria tanto ouvir a voz da minha tia Cecília que me tranquilizava,
como fazia sempre que alguma coisa corria mal.
Tentei pensar
nela e visualizar mentalmente o seu rosto sorridente, mas não consegui afastar
aqueles terríveis olhos azuis.
Finalmente, sem
aperceber-me, adormeci.
Estava exausta
e incapaz de ver o meu futuro.
Há apenas um
mês, a minha vida tinha sido interrompida e agora não sabia mais quem era nem
para onde ir.
Tudo tinha
mudado.
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