A Lucille tinha apenas dezanove anos quando a sua mãe a pôs no olho da rua. Permanecida sozinha, a Lucille fora para viver na descomunal herdade que herdara da sua avó. Passaram oito anos desde então e de um momento para o outro a sua meia-irmã, a Nicole, que não pôde suportar de froma alguma, telefona para ela com o intuito de lhe convidar para passar o Natal juntos e colocar uma pedra sobre o passado. A Lucille aceita e chegado lá para a ceia das vésperas do Natal, encontra o futuro marido da Nicole, o Xavier Blanc. Para o seu espanto descobre de tê-lo já conhecido cinco anos atrás. Aquele passado em comum cria subitamente uma certa sintonia entre os dois jovens, mas a Nicole não tem nenhuma intenção de aceitar uma intrusão da Lucille na própria vida. Mas então por que a convidou à festa? A Nicole tem mesmo a vontade de recomeçar ou então reaproximou-se à Lucille com segundas intenções?
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«Não consigo.» Suspirei frouxamente sem energias, olhando a minha emaciada figura no espelho. No entanto a Yvette tentava arranjar-me os cabelos num rolo de cabelos e a Margot empenhava-se para esconder aquelas profundas olheiras que pareciam não querer mais abandonar-me.
«Não digas parvoíces! Vais conseguir muito bem! É só um jantar!» Tentou tranquilizar-me a Margot pondo em mim o terceiro extrato de corretor em baixo dos olhos.
«Um jantar com a minha mãe e a sua nova família que não a vejo há mais de seis anos.» Fiz a questão de lhes recordar tentando refrear a ansiedade que estava a atenazar-me o estomago.
«É por isso que deves ir até lá! Deves demonstrar a todos eles o que perderam durante todo este tempo! Tens de fazer ver que o facto de te terem abandonado não te destruiu absolutamente e que saíste vitoriosa... Pelo contrário, agora és mais forte do que antes.» Tentou convencer-me a Yvette.
«Vitoriosa… Eu? Mas, viram-me?»
«Sim, estás esplendida!» Rebateu de imediato a Yvette com um largo sorriso.
«Não estou esplendida! Estou cansada, durmo pouco, não tenho um tostão, estou eternamente desempregada e tenho uma maré de dívidas e preocupações por causa da saúde do Chucky»
«Não fales assim! Tens de começar a ver as coisas numa perspetiva diferente!»
«Qual?» Perguntei mordaz.
«Contudo estás belíssima. Perdeste também alguns quilos.»
«Devido a uma cólica que me manteve em jejum durante praticamente uma semana. Mesmo agora não me sinto em forma.» Relembrei-lhes pensando outra vez aquando estive mal até cinco dias atrás.
«Uma cólica que contudo fez-te perder quilos dando-te esta possibilidade de entrar neste maravilhoso chapéu de coco de Chanel.» Alinhou a Margot.
«Um vestido que nem sequer poderia dar-me a ousadia uma vez que estou ao limite do suicídio.» Rebati deprimida, deixando deslizar os dedos trémulos sobre aquele maravilhoso vestido de cor esmeralda que pertencia à Yvette.
«Não tem importância. A única coisa que conta neste momento é que este vestido dá-te um ar tremendamente chic e realça os teus olhos e a tua carnação clara. Além disso tu mesma sempre disseste que não gostarias de forma alguma fazer saber à tua mãe, ou o pior ainda à tua meia-irmã, o quão estás em dificuldades economicamente e seguramente com este vestido e as louboutin da Margot, ninguém poderá trocar-te por uma coitada rapariga desgraçada. Sem contar que vives num verdadeiro palácio real circundado por hectares do jardim.»
Pena que a realidade seja bem diferente, queria responder-lhes. Há um ano esgotara toda a conta herdada da minha avó pelos contínuos trabalhos de manutenção da qual precisava aquela vivenda gigantesca. Tivera propostas de venda mas a ideia de separar-me da única coisa que me unia à única pessoa que muito me estimou, era dilacerante e impensável.
Antes de morrer a minha avó quisera deixar-me a sua quinta campestre recebida por um antepassado de sangue real. Ela amava aquela propriedade e durante anos fizera de tudo para levá-la de novo ao seu antiquado esplendor, mas os trabalhos não terminavam de maneira nenhuma e todos os anos aparecia sempre alguma nova chatice por resolver.
Enfim o dinheiro tinha acabado e encontrar trabalho era cada vez mais difícil dado que esforçava-me para me manter num posto de trabalho por mais de alguns meses.
«Aliás agora és a secretaria de um dentista!» Continuou a Yvette tentando exaltar aquele último emprego que encontrara e que iniciara apenas há dois dias.
«Para já, vocês têm razão! Não devo deixar-me desencorajar. Já sou uma mulher com vinte e sete anos, independente, com um ótimo emprego, uma casa que faria inveja a qualquer um e, coisa ainda mais importante, tenho duas maravilhosas amigas que adoro e que gostam muito de mim.»
«Nós estaremos sempre aqui para ti, Lucille!» Encoraja-me outra vez a Yvette abraçando-me fortemente, seguida logo após pela Margot.
«Além disso tens por outro lado uma fila de machões prontos para te proteger e que estão a formar uma fila atrás desta porta esperando de saltarem para cima de ti.» Exclamou a Margot rindo.
Na verdade, próprio atrás da porta podia-se ouvir vários ganidos contínuos e obedientes.
Abriu-a num ai deixando entrar a minha pequena tribo de peludos que enchiam todos os dias a minha vida de felicidade.
«Armis! Byron! Lupin! Chucky!» Gritei de tanta alegria no momento em que as minhas amigas pararam defronte para evitar que os cães pudessem atacar-me e darem cabo do meu vestido.
«Armis, aquele vestido custou-me mais do que o razoável! Ai de ti se te aproximas!» o repreendeu a Yvette tentando distanciar o ancião cão de fila maremático que era tao surdo até para não ouvir nada.
«Tu também, Byron. É inútil tentar apiedar-me.» Alinhou a Margot inclinando-se para acariciar o velho cachorro que arrastava as patas posteriores auxiliado por um carrinho que o suportava mas lhe impedia grandes movimentos.
Só o Lupin conseguiu intrometer-se entre nós não obstante o seu andar claudicante por causa da falta de uma pata anterior a menos.
«Margot, o Lupin tem uma paixão pela base.» Pus-me a rir à socapa notando como o Lupin estivesse a empenhar-se para lamber-me toda a face.
«Não, Lupin! Levei uma hora para maquilhá-la! Suma daqui, pulha!» Gritou para ele a Margot que no entanto deixara-se distrair pelo Chucky ainda débil por causa da bronquite, que apanhara estando durante dias a brincar com a neve. Já tinha catorze anos e tinha tendências de adoecer com mais frequência. Além de que desde quando se ausentara o Cabret, o seu companheiro das brincadeiras, parecia ter-se deixado levar cada vez mais pela velhice.
Depois da morte do Aaron, ter tido que suportar outrossim aquela do Cabret de apenas dois meses atrás, fora realmente difícil também para mim. Não havia um dia em que não procurava com o olhar aqueles dois cachorrinhos pretos e brancos, sempre afetuosos e famintos.
«Vais continuar a sofrer se não tomas uma decisão para escolher um cão jovem e saudável.» Tentara uma vez dizer-me a Marie, a responsabilidade do canil onde tenho o hábito de passar cada Natal para pegar um cão, desde quando ficara sozinha. Porém, infelizmente, eu escolhia sempre o mais velho e infeliz cão do canil na esperança de fazer-lhe passar os seus últimos dias da melhor forma possível.
Pedia todas as vezes “o cão que ninguém desejaria”, aquele que fora abandonado, deitado fora como rafeiro em razão de ser muito velho ou enfermo para receber ainda amor da sua mesma família.
A verdade era que eu sentia-me como eles: expulsa de casa porque não servia mais. Não poderia de forma alguma esquecer o dia em que a minha mãe pusera-me no olho da rua uma vez que não conseguia estar de acordo com o seu novo companheiro e a filha deste último.
Não empregara sequer um minuto para perceber as minhas razoes e o mal-estar para me encontrar posta de lado para dar espaço a uns estranhos que num ápice tiraram-me o afeto do último progenitor que sobrara para mim e todas as minhas coisas que inesperadamente vira-me a partilhar com uma meia-irmã metediça e prepotente.
Mas infelizmente aos seus olhos a culpa era sempre minha. Eu era aquela irascível, aquela danada com o mundo, aquela egoísta que queria as coisas para si...
Tais pensamentos atingiram-me como um soco na boca do estomago.
Tinham passados oito anos desde então e depois de um primeiro ano de tentativas de reconciliação, percebera que já tinha terminado. Não poderia mais reaver a minha família de volta.
Tinham passado sete anos a partir da última vez que tinha visto ou ouvido a minha mãe, o seu marido Hubert ou Nicole.
Passar sete anos sem um fugaz ou casual encontro. Aquela era a prova do quão Paris fosse grande e de como eu estivesse longe da sua realidade.
Todavia, depois de todo aquele tempo, agora estava ali, diante do espelho, preparando-me para festejar as vésperas do Natal com eles, depois do inesperado telefonema da Nicole onde avisava-me que tencionava pôr uma pedra sobre o passado e que queria reunir a família.
A Margot sustentava que fora precisamente aquela chamada a deixar-me ficar tao mal, vítima de uma cólica dolorosíssima que durou dias inteiros.
«Vá e arrase-os!» Desejaram para mim a Margot e a Yvette acompanhando-me ao longo da alameda da vila que estava ali bem visível depois de ter varrido a neve até chegar ao meu pequeno e velho Peugeot.
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